sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O doce, a noveleira (e a moral, onde fica?)

Tenho uma prima que adora novelas. Até aí, nada incrível. Todos conhecem alguém próximo que ainda curte acompanhar as novidades das “vidas” dos personagens de teledramaturgia enquanto janta. O que torna o caso desta minha parenta muito especial é a dificuldade dela em assumir que gosta. A pobrezinha tem a constante preocupação em falar muito mal deste tipo de programa. Que novela só ensina besteira, só tem gente pelada, violência, bla bla bla...
Isso se dá devido à sua religião, que prega fervorosamente contra as imoralidades que a noite traz pelas antenas e cabos de Tv, em especial na programação nacional. Rita , que leva muito à sério os ensinamentos que está aprendendo, faz cara de pesar quando escuta o tema de abertura de alguma novelinha. Desliga o televisor e se tranca no quarto. Isso é tudo que a gente vê. Estranho pros outros, mas eu sei o que acontece lá dentro e como tudo começou.
Não tem ainda 15 dias a vez que tive a sorte grande de flagrá-la assistindo a das sete. Ela não sabia que eu estava em casa, dormindo, porque ganhei uma folga no meu emprego. Certo de que ela ia pra igreja naquela noite, deixei meu sono fluir naturalmente. Até que um barulho na sala me incomodou e levantei pra ver o que era. Rita estava tão concentrada na tela da TV que nem me percebeu. Chegava a falar sozinha. “Geeeeeente”, ela desabafava consigo. Aí não resisti e me fiz presente:
-ENTÃO VOCÊ CURTE ESSA NOVELA TAMBÉM, HEIN, DONA RITA?

Que pulo! E cata controle dali, e controle que cai no chão, e gagueja:
           
- Eu não! Eu, nada...?! Novela? Que novela?! Eu n-n-não tô vendo... isso! Eu pensei que era propaganda...

Cara, que coisa mais triste, apesar de engraçada. Tem algo pior do que uma
pessoa não assumir um assunto nem pra si mesmo? Ficar se escondendo das outras pessoas achando que assim não está fazendo o que “não devia”? Claro que já cometi erros assim. Certa vez, por exemplo, um arroz doce que foi preparado no auge da dieta que eu fazia, trouxe-me grande perturbação. Toda aquela atração reprimida me fez atribuir todos os males da humanidade à inocente sobremesa cremosa, feita com tanto carinho pela minha avó (que não entendia tanta brabeza minha por causa de um docinho). Aquecimento global, corrupção, guerras históricas, extinção dos dinossauros, a mordida do fruto proibido no Éden... Tudo culpa daquele doce gostosão.
Vivendo e aprendendo. Vendo a felicidade de todos que o provaram, levantei na madrugada. Certifiquei-me que todos os olhos da casa estavam cerrados e gatunamente fui até a geladeira. Só restava um pedacinho muito pequeno, mas tão valioso quanto ouro. Acho que se me ofertassem aquele mesmo peso em ouro naquela hora pra não comer o arroz doce, eu rejeitaria. Prato grande, porção pequena de doce, sede ao pote... Aconteceu o pior possível: Caiu no chão e fez um escândalo e todos acordaram. Que vergonha. Nunca fui proibido de comer nada aqui em casa, e tive medo de ser julgado “indigno” por aceitar de bom grado uma coisa que tanto gosto. Entendi que muito pior foi me sentir um falso-moralista ao ser descoberto com a boca na botija quebrada.
Paralelo traçado, eu e minha prima tivemos o mesmo azar: Fomos flagrados fazendo “escondido” aquilo que repreendíamos publicamente. A diferença é que Rita continua bancando. Comprou há uns 4 dias um celular com TV que tem uma imagem muito ruim no quarto dela. E enquanto o pessoal aqui de casa assiste a novela em LCD na sala, na hora da janta, Rita pensa que não há mal nenhum em repreender algo para sua família e curtir aquilo na encolha, sem nenhum humano ver. Mas aprendi na pele que hipocrisia tem perna curta. Melhor aprender a lidar com seus sentimentos logo, prima, porque aposto que Ele não está gostando nada disso. 

2 comentários:

  1. Muito hilário, conheço gente assim...parabéns pelo post.

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  2. Meu amigo, o que vou falar agora não é bonito, mas tem seu sentido: Não existe graça sem hipocrisia.
    A história do doce foi a melhor! [rs]

    Boa, garoto!!!

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